Crítica a época negócios “8 maneiras como a Web3 vai mudar o mundo do trabalho”

Kevin Da Silva
7 min readOct 22, 2022

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Olá aos leitores, essa semana precisamente na noite de sexta, 21 de outubro de 2022, uma de minhas conexões no LinkedIn compartilhou esse artigo da época negócios, do qual ao ler o artigo notei muitos pontos destoantes de uma realidade material e totalmente desconexas com o sistema sócio econômico atual.

Logo na introdução do artigo tem um ponto que me chama bastante atenção

“Para o especialista, vencedor do Hacker Noon Awards 2019, a forma de trabalhar daqui para frente será determinada pelas das Organizações Autônomas Descentralizadas (DAOs, na sigla em inglês), nome dado hoje aos grupos que se reúnem para tomar decisões no mundo digital. E que possivelmente substituirão as empresas”

Primeiro, no sistema capitalista nunca haverá uma substituição de empresas, pois o sistema é fortemente dependente da propriedade privada dos meios de produção que se consolidam nas empresas

Então a ideia de que uma organização coletiva descentralizada vai ser responsável pelas decisões e rumos de um produto, meio de produção ou negócio é totalmente desconexa, visto que a filosofia geral de um DAO é dar poder de decisão a quem contribui com essa organização

ou seja, um flerte com o socialismo, por exemplo, na união soviética todos os trabalhadores tinham poder de usufruir do meio de produção ao qual trabalham e soviete em russo significa concelho onde determinada região escolhia o representante de seus interesses em concelhos locais até chegar a concelhos governamentais

Mas o DAO cai por terra até no socialismo, pois apesar de conter concelhos ainda depende fortemente de um ponto centralizador, o Estado, que é o responsável por financiar e direcionar esse meio de produção ao planejamento do Estado

Voltando novamente ao capitalismo, como um DAO é composto por pessoas anônimas e pulverizadas, ao redor de uma geografia na maioria dos casos e sem país especifico de atuação, isso não atrai o capital tanto financeiro nem a força politica desses grandes blocos de capital e muito menos o financiamento estatal altamente responsável por fazer todas as grandes corporações chegarem ao ponto onde estão hoje, basicamente um coletivo de hipsters sem influência alguma, no planejamento e política de nenhum Estado gerando assim sua natimorte.

Com tudo isso dito vamos de fato ao recheio do artigo os tais 8 motivos listados pela época negócios:

1 — Fim das entrevistas

Nesse ponto o seu conteúdo já é delirante, o primeiro é pensar que no sistema capitalista, que é regido pelo lucro um determinado individuo contribuir para uma organização, ele simplesmente vai ser assimilado para dentro dessa organização se o “valor” entregue for significativo.

Na realidade o trabalho dessa pessoa será utilizado por essa organização sem ser remunerado e segue um exemplo em tecnologia

Quase em sua totalidade hoje em dia as empresas se utilizam de projetos de código aberto em seus produtos e operações, e essas empresas obtêm receitas de faturamento do tamanho de PIBs de países inteiros e a grande maioria dessas empresas não contribui em nada com esses projetos, seja com a contratação de desenvolvedores que trabalham de forma voluntaria nesses projetos, seja com fornecimento de melhores ferramentas ou com contribuições novas a esse software pelos times que atuam nessa empresa

Mas a surpresa que fica é, por que isso ocorre?

Porque as empresas seguem a lógica do lucro e pegar software aberto sem precisar contribuir com nada e tirar a mais-valia de um trabalho não remunerado da muito mais lucro enquanto que contribuir para o mesmo projeto que se utilizam gera custos e por isso não é feito.

Então acreditar que isso substituí as entrevistas de emprego e ajudará a reduzir o desemprego é algo totalmente ficcional da bolha “metaversica”

2- Possibilidade de trabalhar para várias empresas

A época negócios acabou de inventar a Pjotização do trabalho, esse ponto só evidencia o quanto as pessoas entrevistadas pela revista são desconexas da realidade, pois é um fenômeno que já acontece hoje aos montes com o avanço neoliberal, é basicamente transformar indivíduos em empresas onde elas podem prestar serviço para diversos projetos ou organizações, a época negócios mirou no futuro e bateu na realidade presente.

3- Salários e taxas mais justos

Basicamente o modelo de remuneração é o trabalhador receber sua remuneração será através de pontos baseados no “valor” percebido pelo seu trabalho, o que determina esse valor? Não sabemos. Como será metrificado a valorização do trabalho? Não sabemos. Como garantiremos que não haja a exploração de trabalho não remunerado gerando uma escravidão futurística? Não sabemos.

Até um jogo de videogame tem a capacidade de elaborar critérios para gerar pontuação mais bem definidos que o delírio em forma de artigo que a época negócios nos proporcionou.

4- Nova maneira de tomar decisões

“nas DAOs todos têm um voto proporcional à sua participação no projeto”

Novamente, o que determina a significância dessa participação? Horas trabalhadas, ganho de produtividade, lobby, difícil dizer, pois não há materialidade alguma, nessa descrição.

Além disso, como os clientes precisam comprar tokens para acessar os serviços das DAOs, eles também podem votar para decidir a direção da empresa e do produto. “No final, você precisará estar pronto para que seus clientes se tornem potencialmente seus colegas… ou até mesmo ‘chefes’ se comprarem tokens suficientes. Os tokens dão às pessoas o direito de participar dos procedimentos de votação da organização. Poucas empresas — se é que existem — hoje tomam decisões dessa maneira. Embora os trabalhadores precisem aprender, adaptar e corrigir possíveis externalidades negativas, essa continua sendo uma fascinante mudança de paradigma”

Mais uma vez um grande parágrafo de abobrinhas que só reforça o modelo atual de bolsa de valores, uma empresa existe, determinado grande capital compra 51% de suas ações e passa a ser o chefe da organização, se é possível comprar “tokens” para virar chefe é a mesma dinâmica que temos hoje com a compra de ações.

Poucas empresas — se é que existem — hoje tomam decisões dessa maneira.

Nenhuma atua nessa modalidade, pois essa modalidade só existe na concepção idealista, e os pontos onde as organizações atuam parecidos com DAOs é porque as DAOs estão tentando criar algo que já existe no capitalismo desde os primórdios do acúmulo primitivo de capital na gênese do capitalismo.

5- Mais importância para os valores comunitários

“Nas DAOs, as pessoas se reúnem voluntariamente em torno de um conjunto de valores compartilhados e trabalham juntas para promover sua agenda com a ajuda de contratos inteligentes.”

No início do artigo se menciona como as DAOs vão substituir as empresas, e no ponto 5 se menciona que a participação na DAO é voluntaria, leitor se você precisa trabalhar para viver, você vai trabalhar em uma segunda de manhã de forma voluntaria ou por que tem que manter um teto sobre a cabeça, calorias suficientes para continuar vivendo e acesso a outros itens que garantem a sua dignidade?

Não precisa nem responder, a resposta é bastante obvia, ninguém participaria de uma DAO de forma voluntaria da mesma forma que ninguém trabalha em uma empresa de forma voluntaria e sim por necessidade material e como não há critério nenhum de metrificar remuneração por “valor” gerado DAO é um conceito fantasioso sem nenhuma aplicabilidade pratica.

6- Trabalho mais global e assíncrono

Em primeiro ponto, trabalho global e assíncrono já existem em incontáveis empresas, inclusive nas big techs de tecnologia que estão em múltiplas geografias e que precisam de desvencilhar de sincronicidade para garantir comunicação entre diversos times.

“No passado, a globalização levou os trabalhadores braçais dos países ocidentais a lutar pela sua sobrevivência. As DAOs podem muito bem impactar os trabalhadores de colarinho branco da mesma maneira. Por serem assíncronos, eles também (finalmente) acabarão com o tradicional 9 às 5”, analisou o escritor.

Tradução da mesma forma que ocorreu uma pauperização e precarização dos trabalhadores que atuam em postos de trabalho com mão de obra menos qualificada, a ideia é aplicar o mesmo a todo o restante de trabalhadores, levando todos menos os que tem dinheiro suficiente para virarem “chefes” absolutos através da compra de tokens, a lutar por sua sobrevivência, repare bem que o texto não diz só viver com o mínimo ou pobreza extrema é lutar para sobreviver tirando do trabalhador qualquer direito a dignidade.

7- Sem chefe e com menos colegas

Em pontos anteriores o texto menciona a criação de chefes e agora vem a contradição de que não existirão chefes, é um tanto patético a tentativa de emplacar um conceito que na mínima tentativa de explicar sua dinâmica ele já desmorona

8- Local de trabalho transparente e anônimo

Para finalizar existe apenas um ponto que eu gostaria de enfatizar que é o seguinte:

a capacidade de identificar contribuidores individuais em blockchains também pode trazer consequências individuais indesejáveis para o trabalho feito em nome da DAO, o que pode, por sua vez, desencorajar o tipo de risco que pode levar a avanços tecnológicos”, informou Book.

A dificuldade de identificar contribuidores geraria uma dificuldade em saber quem contribui “valor” para o que dentro de uma DAO gerando assim uma completa incapacidade de metrificar o trabalho produzido

Segundo é desencorajar o risco, em primeiro lugar que no capitalismo tudo que gerou um avanço tecnológico foi o estado através de pesquisa e inovação, por exemplo, a internet foi criada com pesquisa governamental, isso gerou uma demanda da sociedade geral para que saísse do laboratório e só após isso o estado passou a concessão, financiamento e a infraestrutura ao setor privado para atender a demanda, a iniciativa individual e privada nunca tomará risco, pois toda tentativa de inovação tem uma alta probabilidade de falha e o único que arriscará esse financiamento na vida real é a área estatal.

Novamente reitero que considero uma DAO um conceito natimorto, e considero a época negócios uma revista totalmente fora da realidade, onde seus artigos tem uma análise bastante rasa, com nenhum senso de criticidade ao que se é publicado, onde muitas groselhas acabam se tornando hype sem nenhum critério.

Com as críticas feitas devo dizer que tomar essa lata de JIMO que foi ler esse artigo não foi fácil, mas que a insatisfação gerada pela leitura do mesmo pelo menos escrevi um pouco de minhas frustrações.

Espero nunca mais cruzar com nada da época ao longo de minha existência terrena.

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Kevin Da Silva

I'm a back-end developer, functional programming lover, fascinated by computer science and languages. From the south part of Brazil to the world